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Empresas precisam ser mais inclusivas, diz empreendedora social

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Em novembro de 2020, em plena pandemia da Covid-19, a empreendedora social Carolina Videira saiu da cidade de São Paulo para visitar um centro de refugiados em Boa Vista, capital de Roraima. Sua missão: encontrar mulheres com deficiência que estivessem dispostas a se mudar para a capital paulista, entender suas habilidades e competências e capacitá-las para trabalhar na rede de shopping centers Iguatemi. Uma iniciativa que, ao final, beneficiou 20 refugiadas e suas famílias, oriundas de países como a Venezuela e o Haiti.

Com atividades como essa, Carola, como gosta de ser chamada, ajuda empresas a transformar a agenda ESG – a sigla em inglês para as boas práticas ambientais, sociais e de governança — em realidade. Faz isso por meio da Turma do Jiló, associação social sem fins lucrativos que fundou em 2015 e que se dedica a colaborar com a inclusão de pessoas com deficiência nas escolas e nas empresas.

“O discurso ESG é muito forte e trouxe visibilidade para o tema da inclusão, mas precisa ser colocado em prática, principalmente quando a gente fala do S da sigla, do social. As empresas precisam criar projetos que, de fato, mudem a realidade e deem oportunidade para as pessoas se desenvolverem”, afirma. Avalia que, no mundo corporativo, ainda prevalece uma visão assistencialista, que precisa ser substituída por iniciativas que “transformem vidas”.

Aprendizado com o filho João

Carola decidiu se dedicar à inclusão das pessoas com deficiência durante a criação de seu filho, João. Já formada em fisioterapia, com especialização em neurologia e mestrado em neurociência, ela trabalhava como gerente comercial de uma multinacional farmacêutica quando tirou licença maternidade. Ao voltar, seu chefe lhe disse: “Carola, você precisa escolher entre ser mãe, esposa ou ser parte desse time, pois as três coisas você não pode ser”.

Carola lembra que foi chorar no banheiro e que não teve coragem de contar a seus superiores que, com poucos meses de vida, seu filho já mostrava problemas no desenvolvimento neuropsicomotor. Decidiu continuar na empresa e, um ano depois, foi eleita colaboradora revelação por ter batido todas as metas. No evento anual da empresa, a festa da premiação, subiu ao palco e pediu demissão. “Não quero fazer mais parte disso”, afirmou.

Em 2010, quando João estava com dois anos de vida, Carola começou uma nova batalha, encontrar uma escola normal que aceitasse seu filho. Era um período em que apenas as escolas especiais costumavam aceitar crianças com deficiência – a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência só seria instituída em 2015. Mas ela sabia que o desenvolvimento de seu filho seria muito mais fácil nas chamadas escolas regulares.

Depois de muitas tentativas, ligou para a diretora de uma escola e conseguiu a vaga. “Meu filho foi muito bem recebido. Mas os professores acreditavam apenas em seu desenvolvimento social, não que ele fosse capaz de aprender”, conta. Neurocientista, sabia que eles estavam equivocados e que qualquer cérebro tem a capacidade de aprendizado. “Só eu acreditava no meu filho. Só eu acreditava que ele estava entendendo e que não conseguia falar como nós falamos por causa da síndrome dele.”

Carola se mudou então para Boston (EUA) em busca de tratamento para o João e, ao mesmo tempo, para estudar Educação Inclusiva e Gestão das Diferenças. Por meio de um equipamento de ponta, o garoto passou a se comunicar com as piscadas de seus olhos, o que possibilitou seu aprendizado e desenvolvimento. De volta ao Brasil, Carola deu à luz a uma menina, Maria, e obteve, finalmente, o diagnóstico dos problemas enfrentados por seu filho – a síndrome de Pelizaeus-Merzbacher.

Surge a Turma do Jiló

Carola achou então que era hora de colaborar para que as escolas brasileiras se tornassem mais inclusivas e diversas. Com a colaboração de amigos, montou a Turma do Jiló que, em 2016, executou seu primeiro projeto de inclusão na cidade paulista de Santana de Parnaíba, em uma escola pública indicada pelo Ministério Público. A experiência foi um sucesso. A evasão escolar, que era de 37%, caiu para 0,5%, indicando que o projeto trouxe benefícios não apenas às crianças com deficiência, mas a todos os alunos.

Com os resultados positivos, o programa virou política pública em Santana de Parnaíba e depois foi adotado por instituições de outros municípios. Ao todo, 12 escolas já foram beneficiadas pelas iniciativas da Turma do Jiló. “A gente fica dois anos dentro de cada escola. É o período necessário para transferirmos conhecimento para cada uma”, afirma.

O programa de educação inclusiva tem quatro eixos principais. O primeiro diz respeito à formação de professores e funcionários. No segundo eixo, as famílias recebem atendimento psicológico e jurídico e assistem a cursos de empreendedorismo e educação financeira. O terceiro envolve as crianças, que discutem temas como preconceito e inclusão. O quarto eixo busca melhorar a acessibilidade dentro da escola.

A pandemia trouxe dificuldades para a Turma do Jiló. As escolas fecharam e as empresas pararam de contribuir para a expansão do projeto. Carola decidiu que era hora de oferecer programas desenhados para as corporações, cada vez mais comprometidas com a inclusão e diversidade. “Vi que era uma maneira de tornar o projeto autosustentável”, afirma. O lucro gerado no novo campo de atuação sustenta agora as atividades nas escolas.

Prêmio Empreendedor Social

Com a morte de João em novembro do ano passado, Carola chegou a pensar em desistir, mas logo viu que não tinha essa opção. Continua a lutar por escolas e empresas mais inclusivas e agora, em sinal de reconhecimento de sua trajetória, é finalista do Prêmio Empreendedor Social de 2022 na categoria Direitos Humanos, iniciativa do jornal Folha de S. Paulo. Os vencedores serão escolhidos por especialistas e personalidades e também disputarão o prêmio do voto popular – link abaixo. O resultado será anunciado em 19 de setembro.

“A pauta da pessoa com deficiência é muito urgente. Elas vivem uma invisibilidade absurda por puro desconhecimento da sociedade. Essas pessoas não são incapazes, essas pessoas não são mais ou menos especiais. Elas pedem para ser e devem ser economicamente ativas”, diz Carola. “Precisamos compreender a diversidade do mundo. Somos todos diferentes.”

Clique aqui para votar no Prêmio Empreendedor Social de 2022.

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