País é o quinto maior produtor desse tipo de lixo, que poderia ser usado para a fabricação de novos equipamentos.
O que fazer com uma pilha usada, um aparelho quebrado ou componente eletrônico, como carregador, cabos ou controle remoto sem uso? Se você tem dúvida de como descartar esse tipo de material, não está sozinho. Pesquisa realizada no ano passado mostra que 87% dos brasileiros guardam algum eletroeletrônico sem utilidade em casa e 25% nunca fizeram o descarte em local apropriado. O levantamento ouviu 2.075 pessoas, entre 18 e 65 anos, de 13 estados e do Distrito Federal e foi encomendado pela Green Eletron, empresa gestora de logística reversa, sem fins lucrativos, que tem entre suas associadas as principais empresas dos setores de eletrônicos e pilhas do país.
“Segundo o The Global E-Waste Monitor 2020 [relatório realizado pela Universidade das Nações Unidas, ligada à ONU], cada brasileiro gera cerca de 10,2 kg de resíduos eletrônicos anualmente. São 2,1 milhões de toneladas por ano e menos de 3% disso é reciclado atualmente. O Brasil é o quinto maior gerador desse tipo de resíduo do mundo”, explica Ademir Brescansin, gerente executivo da Green Eletron.
No planeta, mais de 53 milhões de toneladas de equipamentos eletroeletrônicos e pilhas são descartados de forma incorreta por ano. Para piorar, o número de dispositivos aumenta anualmente, cerca de 4%, e o resíduo eletrônico já é considerado pela Organização das Nações Unidas o que mais cresce no mundo. Em cinco anos, a geração desse material subiu 21%, também de acordo com o relatório da ONU.
O meio ambiente sofre com o descarte incorreto, já que os componentes químicos são nocivos e podem contaminar o solo e a água. Por outro lado, o lixo eletrônico pode ser reciclado e convertido em matéria-prima, ou seja, não reutilizá-lo é ainda um desperdício de recursos.
Lixo eletrônico também é chamado de resíduo eletrônico, e-lixo ou REEE (Resíduos de Equipamentos Eletro-Eletrônicos). “Lixo eletrônico é uma forma mais popular, mas não está tecnicamente correta. Isso porque, em uma instrução normativa, o Ibama deixou claro que o termo ‘rejeito (ou lixo) eletrônico’ refere-se apenas a equipamentos que ‘depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação’. Ou seja, o mais correto seria chamar de lixo eletrônico apenas os materiais que não poderão mais ser reciclados e que não têm mais utilidade”, afirma Brescansin.
COMO JOGAR FORA?
Mas, afinal, como dar destino correto aos eletrônicos e às pilhas? Existem duas maneiras corretas para realizar o seu descarte: uma delas é a devolução ao fabricante. “Muitas marcas mantêm pontos de recebimento, em que seus produtos já sem uso podem ser depositados com a garantia de que serão encaminhados para um sistema de logística reversa. Isso é, inclusive, previsto na Política Nacional dos Resíduos Sólidos, que determina que é de responsabilidade do fabricante destinar corretamente o montante de resíduos criado por seus produtos”, conta o executivo.
O outro caminho é levar o material até pontos de recolhimento de recicláveis, instalados por gestoras de logística reversa de eletroeletrônicos, que fazem o trabalho de transporte, manejo e reciclagem dos resíduos, entre elas, a Green Eletron. “Já instalamos mais de mil Pontos de Entrega Voluntária (PEVs) de eletroeletrônicos em 12 estados e no DF, além de mais de 7.000 exclusivos de pilhas nacionalmente.”
Ao descartar um celular, por exemplo, muita gente teme perder informações confidenciais. O executivo da Green Eletron recomenda que o consumidor apague todos os dados pessoais antes de descartar dispositivos eletrônicos como um computador, celular ou tablet.
“Para isso, basta restaurar o dispositivo para as configurações de fábrica, o que normalmente é feito no menu principal. É recomendado excluir dados confidenciais em qualquer dispositivo de armazenamento interno, como memória ou cartão SIM.”
Brescansin afirma que os produtos recebidos nos coletores ou em campanhas são enviados para locais especializados, onde são desmontados e os materiais, como plásticos, placas e vidro, repassados à indústria de transformação, ou seja, viram matéria-prima para novos produtos. “As placas de eletroeletrônicos, por exemplo, são exportadas para outros países para que sejam recuperados os metais presentes nelas.”
MINERAÇÃO DE ELETRÔNICOS
A exportação dessas placas faz parte de um mercado especializado conhecido como mineração de resíduos eletrônicos. “São processos bastante evoluídos, com separação por eletrólise, pirólise, que extraem metais como ouro e prata. São tecnologias ainda muito caras e é necessária uma escala grande para tirar uma quantidade significativa”, explica o pesquisador Oswaldo Sanchez Junior, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), especializado na área de energia.
Esse tipo de material é vendido a preço baixíssimo para ser “minerado” na Europa e na China. Segundo Sanchez, o Brasil ainda está um pouco atrasado na discussão. “Toda a riqueza desse lixo eletrônico é pouco aproveitada. Há uma discussão para incluir as normas de economia circular na Abnt [a Associação Brasileira de Normas Técnicas], mas ainda estamos atrasados nessa questão.”
Há outro aspecto relevante em relação a esses resíduos. “Alguns materiais foram criados pelo homem, foram desenvolvidos somente para fabricar eletroeletrônicos e não tem semelhança na natureza. São ligas, materiais compostos, que se jogar na natureza não vão degradar”, explica. Uma solução para esse rejeito é colocar em concreto ou em tijolo. “Não é reaproveitamento como tal, mas uma forma de isolá-los na natureza.”
Uma dica do pesquisador para quem se preocupa com a geração desses resíduos é sempre buscar aparelhos que sejam mais duradouros, ainda que custem um pouco mais. Ele também indica que o consumidor, antes de comprar, verifique se o aparelho obedece à diretiva RoHS (Restriction of Certain Hazardous Substances, em português, restrição de certas substâncias perigosas), que observa as concentrações de mercúrio, chumbo, cádmio, entre outros materiais nocivos.
BOM EXEMPLO
O Japão é apontado por ele como um exemplo a ser seguido na gestão de resíduos eletroeletrônicos. “O primeiro passo é ter uma estimativa do total de resíduos que são gerados no país”, explica Brescansin. Segundo ele, no Japão, as autoridades têm um registro de todas as empresas que fabricam ou importam produtos que serão comercializados e, por isso, conseguem fazer essa estimativa. A partir desse dado são feitas as metas de coleta.
As leis japonesas são ainda revisadas a cada cinco anos, para serem atualizadas com aprendizados dos últimos anos ou da nova realidade do país. “As leis de resíduos, são criadas pensando sempre em como recuperar os recursos e não apenas em como fazer a gestão do lixo”, diz Brescansin.
O senso de organização e respeito da população japonesa também faz diferença, já que as pessoas não enxergam produtos descartados como lixo. “Quase tudo é tratado como recurso a ser recuperado e a população tem uma atuação ativa neste sistema.”
“O conceito de sociedade deles é tão forte que dispensa a necessidade de se criar uma série de leis. Eles mudam seus hábitos e agem de modo correto e honesto, porque já compreenderam que é o melhor para a sociedade. Todos saem ganhando”, finaliza.
Startup transforma resíduos eletrônicos em novos equipamentos
Alunos da startup Reeecicle, localizada no Recife (PE), durante aula de recondicionamento de computadores e periféricos/Foto: Divulgação
Quando optou pelo empreendedorismo social, o cearense Sávio França, de 46 anos, destoou dos colegas do curso técnico de informática industrial. “Aprendi a programar, criar aplicativo, mas talvez tenha sido o único da turma que não quis ser desenvolvedor de uma multinacional”, afirma Sávio, que também tem um bacharelado de administração de empresas, especializações em gestão e controle ambiental, além de um mestrado em tecnologia ambiental.
A primeira iniciativa de Sávio no empreendedorismo social foram ações de inclusão digital, levar computadores e internet para o interior do país. “Mergulhei de cabeça para criar alternativas de inclusão digital, principalmente no Ceará. Fizemos uma boa caminhada, implantamos pontos de inclusão digital em muitos lugares do Brasil”, lembra. Para ele, a exclusão digital potencializa a social e a escolar.
Depois dessa experiência, investiu em outra estratégia para democratizar o acesso às novas tecnologias. Sediado no Recife, o projeto Computadores para Inclusão captava aparelhos em desuso ou avariados, a maioria oriundos do Governo Federal, que se transformavam em matéria-prima para montar novos computadores, posteriormente doados. “Havia envolvimento também da sociedade civil e de entes municipais. Foi um momento bonito, de 2009 até 2018, quando conseguimos 1,5 mil toneladas de resíduos, recondicionamos e devolvemos quase 7.000 computadores para cerca de 400 instituições.”
Além da doação dos aparelhos, o projeto ajudou a formar jovens para trabalhar com tecnologia. “O mais relevante foi o fato de conseguir formar 18 mil jovens, não só na parte de reparo de computador, mas de robótica, internet das coisas e programação.”
Hoje em outro momento, o projeto educativo continua e os alunos sabem muito bem para onde podem enviar currículo: as empresas do Porto Digital, o maior polo do país nessa área. O empresário percebeu a demanda por profissionais e a falta de centros de formação. Ele estima que 4.500 de seus ex-alunos estejam no mercado formal e 300 deles, empregados em empresas ligadas ao Porto Digital.
“É preciso entender o ecossistema da cidade, por um lado Recife tinha desenvolvido esse arranjo, que gera R$ 4 bilhões por ano, com cerca de 300 empresas. Mas os jovens periféricos absolutamente não tinham como acessar as oportunidades de trabalho. Grandes estruturas econômicas se instalam e muitas vezes não conseguem gerar inclusão nem empoderamento, 80% do polo fica no Recife Antigo, uma dicotomia já que essa é umas das regiões mais pobres do município e quem chega de fora tem, em geral, altos salários.”
Sávio nunca parou de estudar e de se envolver nos temas ligados à tecnologia ambiental, inclusive participou da discussão da Política de Resíduos Sólidos, o que o levou a dar uma nova guinada. Em 2019, ele conseguiu se tornar uma “mineradora urbana, uma empresa de economia circular”. No ano seguinte, a sua startup, a Reeecicle, conseguiu ser homologada nas especificações do acordo setorial para trabalhar com logística reversa, tornou-se referência no Norte e Nordeste do país e parceira da Green Eletron.
Com essa remodelação nas atividades, o empreendedor agora batalha em duas frentes: a recicladora de resíduos eletrônicos e o projeto social que, só neste ano, vai qualificar 340 jovens. Os dois funcionam em galpões distintos, em bairros vizinhos, que somados têm 3.000 m2 e condição para armazenar 300 toneladas.
“Os equipamentos eletroeletrônicos são riquíssimos na perspectiva do reuso. Trabalhamos em três linhas: a primeira é a tecnologia assistiva, na qual temos muitos projetos, por exemplo, com o motorzinho de uma impressora e o sensor de um outro equipamento construímos uma bengala sensorial para cegos. O segundo eixo é o recondicionamento com ênfase na robótica e o céu é o limite: motorzinhos, controles e pinos são utilizados para fazer carrinho e outras aplicações. O último e terceiro eixo é o recondicionamento com ênfase em internet das coisas [IoT, na sigla em inglês], na qual algumas engrenagens e sensores podem criar uma estrutura para ligar e desligar lâmpadas, abrir e fechar portas etc”, explica.
E assim Sávio segue unindo o empreendedorismo aos seus ideais. “Nunca perdi esse sentimento, esse jeito de ser, que é importante buscar informação, conhecimento, se desenvolver intelectualmente, saber olhar para o futuro a nível global, para ajudar quem está ao lado. É aquele princípio do pensar global e agir local.”