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O novo ciclo do algodão e a agricultura familiar no semiárido

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A cultura do algodão é uma atividade revestida de grande importância econômica, social e cultural no Nordeste brasileiro. Bem adaptada ao clima semiárido, sua história remonta ao período colonial, quando começou a se alargar em terras que iam do Sul de Alagoas até o Ceará, desde o litoral até o território árido de sertão, expansão alavancada em grande parte pela Revolução Industrial na Europa, que contribuiu desde muito cedo para a integração da região Nordeste à cadeia produtiva têxtil internacional.

Entre o fim do século XIX e a década de 1980, a cotonicultura viveu seu apogeu no semiárido, representando a principal fonte de renda, gerando empregos e contribuindo para a fixação do sertanejo no campo, ainda que os latifúndios algodoeiros fossem palco de relações de trabalho exploratórias e extremamente desiguais entre proprietários e trabalhadores sem terra. O algodão mocó, uma variedade arbórea da espécie amplamente difundida no período na região, se tornou um símbolo nordestino, sendo considerado o “ouro branco” do Nordeste.

Uma série de fatores são atribuídos ao declínio abrupto da atividade a partir de 1983.  A queda de produtividade causada pela intensificação do uso da terra e consequente perda de fertilidade, a deficiência de serviços de assistência técnica, a falta de crédito e de garantia de preço e a desorganização e fragilidade da cadeia produtiva, baseada na dependência do agricultor em relação às usinas de beneficiamento, estão entre os principais. Uma forte seca entre os anos de 1979 e 1983, aliada à chegada do bicudo (Anatomus grandis), uma praga do algodoeiro, acabou por minar a capacidade produtiva da região, acarretando numa situação de calamidade social, marcada pelo empobrecimento da população e o êxodo rural.

Embora um ciclo estivesse encerrado, o algodão permaneceu na memória do sertanejo nordestino e, desde meados de 1990, vem ressurgindo de forma gradual, ressignificado por novos sistemas e arranjos produtivos mais adaptados e sustentáveis no interior da célula viva de convivência com o semiárido que é a agricultura familiar sertaneja. O novo ciclo tem sido alavancado, por um lado, por iniciativas que preconizam modelos alternativos de cultivo de algodão em consórcios agroecológicos, e por outro, pela demanda e valorização crescentes por produtos sustentáveis dos pontos de vista ambiental e social.

Esse ressurgimento é marcado por um forte engajamento e articulação de agricultores familiares junto a organizações sociais de base, apoiados por organizações de cooperação internacional, que buscam conciliar a promoção da segurança alimentar e a geração de renda. Dentro das propriedades, a estratégia se baseia num tripé de sustento das famílias que agrega culturas alimentares, como o milho e o feijão, a pecuária bovina e a cultura de renda, representada pelo algodão.

Distintamente do ciclo anterior, o desenvolvimento de equipamentos para o início do beneficiamento primário do algodão, o chamado “descaroçamento”, possibilitou a apropriação do caroço do algodão pelos agricultores. Neste novo ciclo, o domínio sobre caroço possibilitou agregar valor à cadeia produtiva, uma vez que, além de compor o estoque de sementes para o próximo plantio, em função de seu elevado teor de proteínas, é utilizado na alimentação do gado. Ademais, novas práticas agroecológicas para o convívio com o bicudo, como o controle biológico, plantios coordenados e pausas têm demonstrado sua eficiência e viabilidade no contexto da agricultura familiar. A integração dessas atividades dentro da unidade produtiva tem contribuído para aumentar a eficiência no uso de recursos naturais e reduzir o risco de perdas.

O interesse crescente pela fibra de algodão sustentável no mercado internacional da moda e a baixa oferta desta matéria prima sinalizam boas oportunidades para o restabelecimento de sua cadeia em novos moldes produtivos e mercadológicos. Tais moldes implicam na adoção de práticas social e ambientalmente mais sustentáveis capazes de agregar valor ao produto, bem como no reconhecimento da importância de tais práticas através da negociação de preços justos pelos compradores, a fim de tornar o cultivo agroecológico do algodão uma atividade economicamente sustentável dentro de seu contexto.

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